Marta Garcia | Editorial
A faísca que deu origem à Chão surgiu em 2017, quando coordenei a edição de um livro para Beatriz e Fernão Bracher (O livro do armazém: transcrição de um livro contábil com operações comerciais de Antônio Carlos de Arruda Botelho — Piracicaba e Araraquara — 1850-54). O registro detalhado das origens da editora fica para outro texto, mas o que interessa no momento é que no final de 2018 Beatriz, Fernão e eu decidimos criar a Chão.
Logo no início, chamamos Mayumi Okuyama para elaborar o elegantíssimo projeto gráfico da editora e fazer a diagramação dos livros, e Carlos Inada para atuar como editor-executivo. Ao mesmo tempo, demos a notícia a alguns dos grandes historiadores e pensadores da cultura com quem já tínhamos trabalhado. Estávamos adentrando um terreno novo, e nos moviam apenas nossa intuição e o amor à ideia de contar a história do Brasil através de relatos pessoais. Não sabíamos como isso repercutiria.
Para nossa alegria, a adesão foi grande. Sidney Chalhoub, João Reis, Boris Fausto e Leila Mezan Algranti foram alguns dos adeptos de primeira hora e generosamente deram várias ideias e informaram contatos de colegas que estavam trabalhando com o tipo de documentação que nos interessava. Fora do mundo da historiografia, minha amiga e editora Heloisa Jahn também indicou possibilidades de livros e, mais tarde, elaborou pareceres a respeito de projetos que chegaram a nós. Por intermédio dela, por exemplo, Walnice Nogueira Galvão nos trouxe uma valiosa contribuição: o pequeno romance Gente rica, originalmente publicado em 1912.
Como no caso de Walnice, nas muitas conversas com pesquisadores nos demos conta de que essa outra história do Brasil que queríamos trazer à tona poderia estar registrada não apenas em relatos e documentos, mas também em livros de ficção que não entraram para o cânone e que com o passar do tempo ficaram esquecidos. O que esses romances e contos diziam sobre sua época e seus autores? O que podem dizer sobre o Brasil de hoje? Foi assim que, por sugestão de Sidney Chalhoub, publicamos, no fim de 2019, o romance Fantina: cenas da escravidão.
Vale a pena contar a história de nosso primeiro lançamento, Jovita Alves Feitosa: voluntária da pátria, voluntária da morte, de José Murilo de Carvalho, que saiu em maio de 2019. Em nossas conversas, Beatriz havia mencionado alguns relatos de combatentes de guerra. Me lembrei, então, do grande José Murilo, com quem, entretanto, eu nunca havia trabalhado. Teria ele algo no bolso do colete? Poderia fazer indicações? Ainda em 2018, enviei um e-mail a ele, contando da criação da editora, com poucas esperanças de receber resposta. Era um verdadeiro tiro no escuro. Para minha surpresa, a resposta foi imediata: “A ideia é uma beleza, pena eu não poder contribuir”. Em primeiro lugar, só a delicadeza em responder o e-mail de uma perfeita desconhecida — mesmo eu tendo me apresentado como ex-editora da Companhia das Letras — já foi uma alegria, pois José Murilo com certeza tinha muito mais o que fazer. Em segundo lugar, o elogio ao projeto podia indicar que eu estava no rumo certo: a resposta era negativa, mas parecia deixar a porta entreaberta. Arrisquei insistir.
A troca de e-mails foi adiante, eu sempre me estendendo por várias linhas e José Murilo respondendo da forma telegráfica que, aprendi, era o seu estilo. Até que um dia veio a recompensa: “Tenho um antigo livrinho aqui que dificilmente interessaria. É sobre uma voluntária da Guerra do Paraguai. Eu poderia escrever algo a partir dele”. Não pude esconder o entusiasmo ao responder: “Claro que interessa!”.
Ao ter acreditado num projeto nascente e nos ter brindado com uma pesquisa inédita, José Murilo de Carvalho deu muito mais que um empurrão inicial à Chão. Considero-o, mesmo que informalmente, um verdadeiro patrono da editora. A parte triste da história é que Fernão Bracher, falecido no início de 2019, não chegou a ver o livro pronto. Fico curiosa para saber sua opinião sobre o resultado final, pois ele acompanhou muito de perto todo o processo, contribuindo não apenas com sugestões de publicação mas também com ideias para o projeto gráfico da editora.
A partir daí as portas foram se abrindo aos poucos: ao mesmo tempo que partíamos ativamente em busca de novos projetos de livros, algumas propostas começaram a chegar, depois que lançamos nossos dois primeiros títulos, Jovita e Diálogos Makii. Os livros da Chão surgem de intensas trocas de ideias entre os editores e os pesquisadores, até que amadureçam, ganhem forma e se transformem em livro. Em termos editoriais e de produção a Chão é, de fato, uma editora artesanal.
Ainda em 2022 lançaremos um virulento panfleto difamatório, originalmente publicado em 1923, de autoria de Moacyr Piza, com indicação e posfácio de Boris Fausto. Essa “polêmica alegre” está ligada a um dos crimes mais rumorosos da São Paulo da primeira metade do século xx.
Boris é amigo e interlocutor de longa data. Nós nos aproximamos depois que editei alguns de seus livros, na Companhia das Letras, e o diário do luto O brilho do bronze, na Cosac Naify. Seu trabalho maravilhoso de historiador e memorialista tem muito a ver com o que a Chão vem buscando.
Perguntei se teria, por acaso, antigas cartas de família (de seus pais ou avós) que pudessem ser publicadas. Não tinha. Que ele soubesse, seus antepassados não haviam deixado nada, ou quase nada, escrito. Sobre suas próprias memórias, disse que já tinha esgotado o tema, depois do lançamento de seu último livro. Continuamos trocando ideias. Muito dedicado, Boris nunca deixou o assunto morrer. Até que um dia apareceu com o Roupa suja. Bingo! Uma publicação que se encaixava à perfeição em nosso catálogo, pois misturava política, costumes e história. E ainda por cima estava na origem de um crime envolvendo o autor, Moacyr Piza, fato que Boris explora em seu posfácio a nossa edição.
Nosso lançamento seguinte está em chave radicalmente diversa. Publicaremos parte dos diários de Eunice Penna Kehl, relativa aos anos de 1935 e 1936, com indicação e posfácio de Maria Rita Kehl. Maria Rita foi outra entusiasta de primeira hora: no início de 2019, nós nos encontramos, por acaso, numa pequena apresentação musical no Instituto Moreira Salles, na avenida Paulista. Findo o show, contei-lhe da editora. Mal terminei de falar e ela já estava me descrevendo os cadernos de diários de sua avó, que tinha guardados consigo. Eunice havia iniciado a escrita dos diários como maneira de lidar com uma tragédia familiar e acabou por mantê-los ao longo de 35 anos. Maria Rita escreveu um belo posfácio, inspirado na memória afetiva que conserva da mãe de seu pai.
Mais adiante, teremos as impressionantes cartas escritas por André Rebouças desde a África, entre 1891 e 1893, época em que fez um périplo pelo continente. A indicação e o posfácio são de Hebe Mattos, e o volume faz parte de um projeto maior de publicação de cartas e diários inéditos de André, capitaneado por ela.
Além desses lançamentos, temos vários manuscritos em andamento, para 2023 e adiante. Aguardem! E obrigada por terem nos acompanhado até agora.
Belo testemunho, que alimenta nossa esperança. A criação do site não poderia ser ideia melhor, ele chegou elegante e moderno, para nos aproximar. Vida longa para a editora.
Muito obrigada, Luciano! Grande abraço
Lindo o projeto de vocês, parabéns. Como já comentei numa troca de e-mails com a Marta, tenho um acervo bem grande de cartas de família, da época da primeira república. São diversas camadas de conteúdo, muito interessantes e reveladoras. Se houver interesse posso mostrá-las.
Abs,
Renata M B A Lima
Obrigada, Renata! Sim, podemos conversar sobre o seu acervo familiar.
Abraços,
Marta
Parabéns, Marta!
Acompanhando com enorme interesse as publicações da editora. Vida longa e muito sucesso!
Quem sabe voltamos a fazer alguma parceria em algum momento.
Um grande abraço,
Sandra Guardini Vasconcelos
Olá, Sandra! Fico muito feliz em saber que vem acompanhando nossas publicações e agradeço os votos. Eu adoraria voltar a trabalhar com você. Vamos conversar?
Beijo
Marta
Parabéns a Marta e toda a equipe da Chão. O site ficou lindo! As obras são selecionadas com primor, tratadas com esmero e têm um sabor todo especial para quem lê. A diversidade de temas encanta e abre janelas para pensarmos diversos momentos e personagens da História. Foi muito bom ter publicado com vocês.
Um grande beijo,
Mariana Muaze
Obrigado, Mariana!