Roupa suja (polêmica alegre): onde se faz o panegírico de alguns homens honrados da política republicana

Moacyr Piza

Indicação editorial e posfácio:
Boris Fausto

Especificações

200
páginas
ano
2022
peso
285 g
ISBN
978-65-80341-06-1
ISBN (E-BOOK)
978-65-80341-13-9

Este pequeno livro é um raro testemunho, dentre muitos escritos esquecidos, da história brasileira das duas primeiras décadas do século xx. As razões do esquecimento são muitas, a maior delas talvez pelo fato de o autor, Moacyr Piza, no mesmo ano da publicação, envolver-se no dramático assassinato de sua ex-amante, Nenê Romano, seguida do seu próprio suicídio. Chocante na época, a fama do episódio superou a do livro — e talvez tenha repercutido muito mais do que toda a obra satírica do autor.

Sátira polêmica, com alvos explícitos da cena política da época, Roupa suja revela faces pouco generosas das oligarquias, acompanhando a maré de publicações de escribas obscuros como José Agudo, Hilário Tácito, o próprio Moacyr Piza, Juó Bananére, Ivan Subiroff e o caricaturista Voltolino — alguns deles engajando-se em periódicos como O Pirralho, O Queixoso, O Parafuso e outros pasquins da cultura cômica da Belle Époque paulista.

Piza juntou-se a essa fila de pândegos contumazes e esteve no centro das dissidências do Partido Republicano Paulista (prp), replicando lances hilariantes: a traquinada de um baile festivo, no qual todos os chefes perrepistas dançam maxixe; ou a farsa da Escola do Partido em pleno dia de formatura, dirigida por um Washington Luís travestido em burlesco diretor de circo. Poucos escapam da pena incontrolável de Piza, esgrimindo preconceitos e infâmias diversas, jamais hesitando em decidir quem é decente e quem é canalha.

Último motivo de seu esquecimento: sociedades nunca viram sátiras com bons olhos, talvez porque nelas ainda latejem amargas filosofias. Mais ainda no Brasil, onde registramos satiristas defenestrados da História, não raro diabolizados em razão de patologias pessoais. Para variar, o sempre atual Machado de Assis antecipou a maldição de Piza e sua turma de pândegos satíricos, quando, ao invocar a arma de Swift, definiu as elites brasileiras com duas únicas e certeiras palavras: caricatas e burlescas.

Elias Thomé Saliba

Moacyr Piza (1891-1923) nasceu em Sorocaba. Era membro de uma família tradicional, cujos ancestrais chegaram ao Brasil ainda nos tempos da Colônia. Cursou a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco e recebeu o grau de bacharel em 1915.

Boris Fausto nasceu em São Paulo em 1930. Historiador e escritor, publicou, entre outros livros, História do Brasil e Negócios e ócios, que ganharam o prêmio Jabuti, respectivamente, em 1995 e 1998.

Trecho

Pudesse ele ser grande homem em São Paulo, como Luís xiv o fora em França!… Arranjar uma Ninon, com uma amiga igual a Marion de Lorme, e reproduzir-lhe, no alto da Serra, as tertúlias famosas!… Ah! então é que haviam de ver: daria às letras e artes piratininganas um impulso maior que o das rodovias! São Paulo pulularia de sábios, filósofos, poetas, tribunos, historiadores. Não seria ele, mais, o único historiador; nem o sr. Freitas Vale o único poeta em francês; nem o sr. Roberto Moreira a única tradução portuguesa do sr. Freitas Vale; nem o sr. Rafael Sampaio o único filósofo; nem o sr. Júlio Prestes o único tribuno. Viesse a Ninon, e os Richelieu, os La Bruyére, os La Fontaine, os La Rochefoucauld, os Fontenelle, os Molière por certo que não faltariam. Ali estava ele, para fecundar… o século! Ele, sim, ele próprio, ele, o sr. Washington Luís Pereira de Souza, maior, púbere, historiador, natural de Macaé, eleito pela Providência para a egrégia função de rodoviar a terra paulista… O outro, Luís xiv, porque tinha sido um chefe monárquico e fizera o século mais luminoso da França, fora o Rei Sol; ele, Washington i, como era um chefe republicano e estava fazendo o século mais automobilístico de São Paulo, seria o Presidente Farol, — um iluminado, iluminando a rodovia do futuro…

— L’État c’est moi! [O Estado sou eu!] Como Luís xiv, poderia repetir a grande frase. L’État c’est moi! E havia de ser mesmo. E já era mesmo, naquele momento, muito antes de aparecer a Ninon… Já era, incontestavelmente; pois, se não fosse, não o estariam cercando de tantas e tão altas considerações; se não fosse, não estaria ali, a encomiá-lo, elevando-o aos cornos da lua, o sr. Roberto Moreira, deputado tido e havido como cavalheiro da maior circunspecção. E o sr. Freitas Vale. E o sr. cônego Valois de Castro. E o sr. Júlio Prestes!…

A presença daqueles ilustres cidadãos, não só naquela solenidade, mas onde quer que se achasse o sr. Washington Luís Pereira de Souza, maior, púbere, historiador, natural de Macaé, eleito pela Providência para a egrégia função de rodoviar a terra paulista, era a cabalíssima prova de que, de fato, o estado era ele. L’État c’est moi! Aquela prestimosa gente estava sempre onde estava o estado. L’État c’est moi! Era como os corvos que nunca se alongam dos podredoiros. L’État c’est moi! L’État c’est moi! L’État c’est moi! E, pois que era ele o estado, bolas! podia mandar vir a Ninon…

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