Lançamento

O fim do maxixe: João do Rio e outros pseudônimos de Paulo Barreto — Crônicas

Organização:
Juliana Bulgarelli

Especificações

272
páginas
ano
2024
400 g
ISBN
978-65-80341-33-7
ISBN (e-book)
978-65-80341-34-4

Considerado por alguns o criador da crônica social moderna, Paulo Barreto escreveu milhares de textos, publicados ao longo de pouco mais de duas décadas em diversos periódicos. Entre os pseudônimos que usava, um deles se tornou mais conhecido: João do Rio, cuja identidade se confundia com a da cidade que retratou.

Do fim do século xix até as primeiras décadas do século xx, o Rio de Janeiro passava por uma série de transformações associadas à implantação da modernidade e à consolidação do capitalismo no Brasil. Políticas que visavam ao saneamento e ao embelezamento urbano pretendiam romper com características da cidade colonial, aproximando-a das grandes capitais europeias. Ao mesmo tempo, tentava-se impor novos hábitos e costumes à população, com o objetivo de substituir antigas tradições e manifestações da cultura popular, vistas como marcas de primitivismo e barbárie. Essas mudanças modificaram significativamente aspectos físicos e simbólicos da cidade.

Atento ao cotidiano e aos personagens da metrópole, Barreto foi observador sagaz desse processo excludente e pleno de contradições. Também ele contraditório e multifacetado, o cronista assumiu posturas que oscilavam entre a adesão e a rejeição a esse projeto modernizador.

O fim do maxixe: João do Rio e outros pseudônimos de Paulo Barreto reúne 31 crônicas inéditas em livro, escritas entre 1903 e 1918. Assinados por João do Rio, x., Joe, José Antonio José e Paulo José, os textos foram selecionados pela historiadora Juliana Bulgarelli e oferecem, em conjunto, uma rica interpretação da dinâmica e das características da vida moderna que se consolidava e de diferentes representações da modernidade.

Paulo Barreto (1881-1921) foi jornalista, cronista, contista e teatrólogo, notabilizando-se como o primeiro jornalista brasileiro a ter o senso da reportagem moderna. Entre os pseudônimos que usou para publicar seus textos está João do Rio, o mais conhecido deles.

Juliana Bulgarelli é doutora em história pela Universidade de Paris 3 — Sorbonne Nouvelle, onde desenvolveu pesquisa sobre as representações da modernidade brasileira na obra de Paulo Barreto e seus pseudônimos.

Trecho

Já não sei qual foi o viajante que deu ao Rio de Janeiro o ape­lido de “cidade janeleira”. Fosse quem fosse, era um homem observador e inteligente, que sabia ver e apelidar.

Justamente, o que caracteriza o Rio de Janeiro, na sua vida social, é o grande amor que as famílias têm à pasmaceira da janela, e a profunda ojeriza que têm aos jardins, aos parques, ao passeio, à rua, ao movimento.

Ainda ontem, domingo, atravessando em bond alguns bairros da cidade, vi e compreendi bem que esse viajante soube achar, para a nossa bizarrice, um epíteto justo e claro. A tarde era linda e quente, de um céu adoravelmente azul, de um encanto suave e consolador. Os jardins públicos, muito verdes, muito perfumados, e… muito vazios, estavam convi­dando toda a população a um passeio higiênico, a um banho de sol e de ar puro, a um exercício muscular tonificante e agradável. Mas a população, como sempre, deixava-se ficar em casa, numa desanimada moleza. O bond, em que eu ia, enfiava ruas sobre ruas: e, em todas essas ruas, de um lado e de outro, as janelas das casas estavam cheias. As senhoras, muito penteadas, muito quietas, muito tristes, com muitos laços de fita nos corpetes brancos e muito tédio na fisionomia, olha­vam melancolicamente o céu, e abanavam-se com abandono; os homens (alguns deles em mangas de camisa!) fumavam e cuspinhavam para as calçadas, com o mesmo ar de Supremo aborrecimento na face… Que horror! A vida não estava nos jardins, tão viçosos e tão frescos: estava nas janelas, — naquela exibição de tédio e de preguiça… E até havia crianças, nessas abomináveis janelas, compartindo a pasmaceira dos pais!

“Cidade janeleira”, — que belo e justo apelido!

Quando é que toda essa gente compreenderá que o pas­seio e o exercício ao ar livre geram a saúde e o bom humor, ao passo que a mania janeleira só pode gerar a tristeza, a ane­mia, a melancolia, a moleza e a coscuvilhice?!

x.

Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 28 set. 1903. A Cidade.

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